sexta-feira, 6 de abril de 2012

0 O QUE E CARIDADE?


Viver por viver não satisfaz. É importante viver bem. Seja neste plano de vida material, seja no Além. O egoísmo resseca, desalenta, infelicita. O amor refaz, desanuvia, alegra, e jamais se desgasta, tanto mais quanto mais depurado é. Isso porque é a meta evolutiva a que tendemos, em estágios mais amadurecidos.

A caridade – nada mais que o amor em movimento – é a grande desconhecida. Passa na história da Humanidade com personagens memoráveis, e assim sonhamos tê-la conosco. O grande problema é o de conquistá-la: ela não se compra nem se transfere de uns para outros. Adquire-se, construindo-a no imo. Não é um objeto.

Também não é obra construída de agora para logo ou de hoje para amanhã, como um produto acabado. O psiquismo humano é complexo, como se fosse composto de diversas camadas que se justapõem numa individualidade una e única.

Um mergulho de superfície na caridade não é de desperdiçar. Mas daí a acreditar-se que o problema de assimilá-la é imediato e rápido vai um longo caminho que desmente essa ilusão: o da experiência.

É compreensível: evoluir, amadurecer espiritualmente, não é seguir regras de fora para dentro, memorizar, mas sim debater idéias, estudar, aprender, testar, vivenciar para constituir sabedoria. E este patrimônio irreversível (quando muito apenas ocultado temporariamente via reencarna tória ou outra), segundo as situações concretas, verte atitudes luminosas de dentro para fora, sem esperar ou desejar aplauso, que não seja o da sua consciência feliz.

Ser e parecer

Caridade não é «caridadezinha». Temos uma amiga cuja prática é admirável. Integra uma equipa diretora de uma associação de proteção à infância. Há algum tempo houve um jantar beneficente ilustrado com quem dizem ser o herdeiro da extinta coroa portuguesa. Esgotados os lugares, entre os sócios houve uma senhora que ficou ofendida por não lhe reservarem bilhetes ao ponto de entre impropérios dizer que ia deixar de ser sócia.

É um exemplo clássico. A contribuição dessa senhora revoltada feita até a data não perdeu valor. Ela é que rejeita a alegria de continuar a colaborar na satisfação das necessidades dessas crianças em séria dificuldade. Essa mistura do egoísmo e do orgulho com a caridade não é coisa fácil de erradicar. Por quê?

Porque a evolução para ser real, autêntica, tem de ser amadurecida em todas as camadas do nosso psiquismo, das mais superficiais para as mais profundas, e só quando atinge se sedimenta nestas é que se torna mais freqüente.

Caridade é a fraternidade que acompanha o gesto, a atitude interior. Não é o gesto visualizado. Este pode apenas querer parecer, para merecer o aplauso mundano, conforme descreve o Evangelho.

Pensar nos outros, nas suas dificuldades. Ajudar… Sem atrapalhar.

Neste cenário, contudo, quando uma mão se estende para auxiliar, torna-se necessário, em geral, que haja uma mão que queira receber. Este é um dos maiores entraves ao processo de aproximação que envolve a caridade. Os espíritos mais sábios sabem «convencer» o necessitado a aceitar a contribuição fraterna, ao cativá-lo, sensibilizando-o.

A caridade vai-se sedimentando no nosso comportamento tanto mais quanto mais o quisermos, sem angústias ou pressas. E começa nas mais pequeninas coisas. Às vezes ajuda refletir no lado bom das pessoas mais próximas, em casa, no trabalho, na rua, ou das circunstâncias. Pensar na caridade sem ser de cima para baixo, como sendo eu o bom e o outro o desgraçado. Somos seres que caminhamos lado a lado, todos necessitados do amparo recíproco. Temos momentos melhores umas vezes, de outras têm os outros.

O que não resulta, por certo, é fazer cobranças a outrem, porque é melhor convencermo-nos, em benefício próprio, que ninguém – mas mesmo ninguém – tem qualquer obrigação de ser caridoso conosco, mas, de fato, nós próprios temos a maior obrigação de ser caridosos com os demais, entendendo-os, perdoando o que houvesse a perdoar, agradecendo a quota de generosidade com que de uma forma ou de outra nos beneficiam…

E aí, caridade pode ser o silêncio de alguém que nos tolera algum desassossego.

Os amigos

Às vezes, irrefletidamente, acreditamos que os nossos amigos são aqueles que jamais nos apontam os enganos, que nos dizem que somos os maiores do mundo, que nos batem nas costas, mesmo quando estamos quase a caminho de um colapso de consciência.

Caridade não é aplaudir, apoiar a asneira. É manter a fraternidade de, na altura certa, sem violência, dizer o que se pensa, mesmo que não nos seja perguntado diretamente.

Dar mais espaço a alguém em caminhada acelerada para estertorosa queda não é ser seu amigo. Aparecer como se lhe desse apoio, isso não é ajudá-lo.

A caridade não exclui a disciplina nem uma conduta coerente, mas sem agressividade.


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